Custos de uma sociedade punitiva

02-09-2012 13:24

Faz este ano dez anos que Richard Florida mencionava, em “The Rise of Creative Class”, três fatores fundamentais para uma sociedade ser criativa e inovadora – talento, tecnologia e tolerância (os “3T”). Cidades como Nova York, Barcelona, Londres ou Tóquio são exemplos de uma boa combinação daqueles fatores, essenciais para atrair pessoal qualificado, criativo, novos investimentos e, assim, estimular o processo de inovação. Se o “talento” e a “tecnologia” são fatores que podem ser mais ou menos abundantes (pode-se comprar ou estimular o desenvolvimento de tecnologia, bem como atrair pessoal qualificado ou estimular a criatividade e o talento dos recursos humanos), a “tolerância” está mais condicionada pela matriz cultural de um território (país, cidade, região).

 

As sociedades mais tolerantes ao risco e ao insucesso são, geralmente, aquelas que aparecem mais bem classificadas no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas[1] - é o caso da Noruega, Países-Baixos, Estados Unidos (EUA), Nova Zelândia, Austrália, Canadá, ou Irlanda. Pelo contrário, os países com tradição menos tolerante ao insucesso aparecem menos bem classificados no IDH. Na Europa, destaque-se a posição dos países do sul da Europa no IDH: Espanha em 23º lugar, Itália em 24º, Grécia em 29º, Portugal em 41º.

 

O grau de tolerância face ao insucesso pode ser verificada em várias áreas da sociedade, desde a área empresarial, educação, sistema de saúde, cumprimentos dos deveres cívicos, etc. Pode-se considerar que uma sociedade mais tolerante será uma sociedade mais inclusiva, enquanto que uma sociedade menos tolerante ao insucesso será uma sociedade mais “punitiva”. 

 

Na área empresarial, uma sociedade “punitiva” é aquela onde é difícil haver uma segunda ou terceira oportunidade para quem falha, ou seja, é mais difícil aos empreendedores que viram o seu negócio correr mal tentar de novo e criar um novo negócio. Neste tipo de sociedades, o falhanço é visto de uma forma negativa, penalizando-se o empreendedor ao lhe ser dificultado a possibilidade de uma nova oportunidade de tentar - quer devido ao estigma social existente quer através da inexistência de condições para que se possa tentar de novo. É o que se passa, de forma geral, nos países do Sul da Europa, onde se inclui Portugal. Pelo contrário, uma sociedade “não punitiva” – do ponto de vista empresarial - é aquela onde as experiências negativas de um empreendedor são valorizadas, dado que ousou arriscar e “criar” algo. Mesmo não tendo tido sucesso, pode novamente tentar e empreender de novamente. É o exemplo do que acontece em países como os EUA, Irlanda, Nova Zelândia ou nos países nórdicos.

 

Estas diferenças na forma de encarar o “falhanço” dificilmente são alteráveis apenas por mudanças legislativas ou regulamentares, dada a condicionante cultural associada. Contudo, as políticas públicas podem ser aqui muito importantes, ao criar as condições para que quem não tenha sucesso “à primeira” possa ter uma nova oportunidade. Esta questão é importante, dados os custos económicos (e sociais) inerentes a uma sociedade “punitiva”, que penaliza os empreendedores. Se bem que não há dados oficiais em relação a estes custos económicos, é possível fazer uma pequena simulação, com base no caso português. Tomemos o seguinte exemplo, com dados para o ano de 2010, para Portugal:

 

  • Em 2010, foram extintas em Portugal 23600 empresas (foram criadas 29647)[2];
  • O número médio de pessoas ao serviço foi de 9 por empresa[3];
  • O ganho médio mensal de cada trabalhador (do setor privado) foi de 1034 euros (incluindo a remuneração base, prémios, subsídios regulares e trabalho suplementar)[4];

 

Levando em conta estes dados, podemos admitir que foram destruídos cerca de 212 mil postos de trabalho - associados à extinção das 23600 empresas, em 2010. Este valor equivale a uma massa salarial total de 220 milhões euros, ou seja, valor que deixou de entrar na economia (via despesa privada, impostos, contribuições para a segurança social, etc.)[5]. Mesmo admitindo que parte dos empresários que extinguiu a sua empresa em 2010 criou outra de novo em 2011, sabe-se que isso não aconteceu na grande maioria das situações.

 

Se em Portugal o falhanço fosse visto como um processo natural de quem arrisca e empreende, haveria com certeza uma percentagem muito maior desses empresários que voltariam a arriscar e a criar uma nova empresa (tal como acontecem noutros países, como nos EUA). Admitamos, por exemplo, que haveria mais 20% de empreendedores nessas condições, ou seja, 2 em cada 10 empresários que falharam no seu negócio voltariam a criar uma nova empresa no ano seguinte (ou nos anos seguintes). Tomando como referência os dados de 2010 (nº empresas extintas, nº trabalhadores por empresa e ganhos salariais), podemos admitir que poderiam ser criadas 4720 empresas adicionais (20% das 23600 extintas em 2010), equivalendo a mais 42 mil postos de trabalho e a uma massa salarial de cerca de 44 milhões de euros. Isto sem contar com os impactos indiretos deste adicional de empresas e postos de trabalho criados, que poderiam ter um efeito multiplicador na economia.

 

O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outras áreas, como a Educação, como refere a OCDE[6]. No sistema de ensino, uma atitude punitiva penaliza os alunos que tem mais dificuldade na aprendizagem, através do instrumento da “retenção de ano” (tradicional “chumbo de ano”). Ou seja, em vez de se preparar as escolas e os professores para metodologias inclusivas que garantam uma maior transmissão de conhecimentos e sucesso na aprendizagem dos alunos (como acontece nos países nórdicos), a opção da “retenção” é bastante penalizadora para a sociedade e o país, como refere a OCDE, levando ao aumento das despesas em educação, ao aumento do estigma social e ao aumento das desigualdades entre os alunos oriundos de famílias com menos recursos e os restantes.

 

A OCDE refere mesmo que “os custos directos para o sistema de ensino são muitos altos, incluindo um ano lectivo adicional e o atraso de um ano na entrada destes estudantes para o mercado laboral”. Para a OCDE, “os estudantes normalmente percebem a retenção não como uma nova oportunidade mas como uma punição pessoal e estigma social e podem ainda ser mais desencorajados dos estudos”.

 

Apesar desta análise dos custos económicos de uma “sociedade punitiva” ser um exercício simples e que necessitaria de um maior detalhe, estes dados mostram que punir o insucesso tem, de facto, um custo considerável para o país e para a sociedade, devendo ser alvo de reflexão por parte dos agentes económicos e sociais e por todos nós…

 

 


[1] O IDH das Nações Unidas mede o grau de desenvolvimento de um país, sendo constituído por indicadores que permitem medir a evolução de um país em diversas áreas (riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, etc.). Ao contrário do indicador do PIB (que apenas indica o que cada país produz internamente, ou seja, é um indicador de crescimento), o IDH é um índice de desenvolvimento.

[2] Fonte: IRN/MJ

[3] Fonte: GEP/MSSS, Quadros de Pessoal, 2011

[4] Fonte: GEP/MSSS, Quadros de Pessoal, 2011

[5] Este valor não leva em conta os valores correspondentes ao subsídio de desemprego recebido por parte dos trabalhadores despedidos pelas empresas extintas, montante esse que entra de novo na economia, pelo menos em parte.

[6] Relatório OCDE "Equidade e Qualidade em Educação - Apoiar estudantes e escolas desfavorecidas", 2012