Austeridade na Inovação - uma análise ao Union Innovation Scoreboard 2014

15-03-2014 23:52

 

Há um ano efetuei neste blog a análise aos resultados do Union Innovation Scoreboard 2013 (UIS 2013)[1], que é o principal ranking de inovação na União Europeia, e permite analisar a evolução dos 27 países da União nas várias áreas da inovação. Em 2013, Portugal tinha descido uma posição face a 2012 (de 16º para 17º lugar, tendo sido ultrapassado por Espanha), depois de no ano anterior ter descido já uma posição (ultrapassado pela Itália). Nessa análise, referi também que a República Checa tinha um valor de índice de inovação muito próximo ao de Portugal, sendo expectável que pudesse ultrapassar Portugal muito em breve. A edição do UIS 2014, publicada em março de 2014, confirmou esta análise (infelizmente), posicionando Portugal agora como o 18º país da UE27 mais inovador (relembre-se que Portugal passou da posição 22ª em 2007 para a 15ª em 2011, regredindo agora para a 18ª posição).

Entre a edição de 2011 e de 2014 (ou seja, período de "assistência financeira"), Portugal piorou em todos os grupos de indicadores de inovação, tendo mantido a posição inalterada nos indicadores do sistema científico e tecnológico (13º lugar) e nos efeitos económicos da inovação (23º lugar). As maiores quedas relativas de Portugal registaram-se ao nível dos indicadores de Recursos Humanos (21º em 2010 para o 27º lugar em 2014) e nas atividades de inovação das empresas (3º em 2010 para o 12º lugar em 2014).

 

Posição de Portugal entre os 27 países da União Europeia, nos grupos de indicadores que compõem o ranking europeu de inovação

 

UIS 2014

UIS 2013

UIS 2011 (2012)

UIS 2010 (2011)

Recursos Humanos

27º

26º

22º

21º

Excelência e Abertura do Sistema de Investigação

13º

13º

13º

13º

Financiamento

14º

15º

13º

12º

Investimento das Empresas

19º

19º

19º

18º

Empreendedorismo e Redes

17º

17º

16º

15º

Propriedade Intelectual

18º

18º

18º

16º

Atividades de Inovação das Empresas

12º

Efeitos Económicos da Inovação

23º

22º

22º

23º

Fonte: Union Innovation Scoreboard, Comissão Europeia

 

Por outro lado, o relatório do UIS 2014 mostra que Portugal foi o país da UE27 que mais progrediu em termos de inovação entre 2006-2010, muito devido à forte aposta das políticas públicas na Ciência e Inovação: em 2006, o índice de inovação de Portugal era 64% da média da UE27, tendo passado para 79% em 2010 (ou seja, uma clara convergência). Desde 2011, a posição de Portugal face à UE27 tem vindo a divergir em termos de inovação, tendo o valor do índice regredido para os 74% da média da UE27 (coincidindo com o período de assistência financeira e aplicação das medidas de austeridade).

 

Contudo, há que referir que a descida de Portugal no ranking europeu de inovação não reflete ainda a totalidade do impacto das medidas de austeridade que tem vindo a ser adotadas, por um lado, nem o impacto positivo das medidas lançadas no âmbito do Programa +E+I, por outro lado (dado que este programa foi apenas lançado em dezembro de 2011):

  • De referir que 14 dos 24 indicadores do UIS 2014 são referentes a anos anteriores a 2012 (4 indicadores referem-se ao ano de 2011, 9 indicadores a 2010, 1 a 2009 e 11 a 2012), ou seja, mais de metade dos indicadores que constituem o ranking não tem em conta ainda o impacto das medidas restritivas lançadas em 2011, 2012 e 2013 (nomeadamente as de carácter Orçamental e que tem impacto no financiamento do sistema científico e tecnológico nacional);
  • Muitas das medidas do Programa +E+I foram lançadas em 2012 e 2013, nomeadamente as que se referem aos incentivos financeiros públicos para a inovação - incentivos QREN e Capital de Risco/Portugal Ventures;  
  • Portugal teve os melhores resultados do 7º Programa-Quadro de I&DT nos anos de 2012 e 2013 (em termos de projetos contratados), não estando os seus impactos ainda refletidos no UIS 2014.

 

Ou seja, nas próximas edições do ranking europeu de inovação, a melhoria ou não dos indicadores de inovação de Portugal dependerá muito da intensidade dos resultados dos três factos acima mencionados. Contudo, poderemos antecipar que Portugal deverá manter a trajetória de divergência face à UE27 e consequente descida no ranking de inovação, à medida que forem sendo atualizados os indicadores para os anos de 2012 e 2013, devido:

  • Ao impacto mais imediato que as alterações dos Orçamento públicos tem sobre os indicadores de inovação, nomeadamente os de input;
  • Ao impacto mais a médio e longo-prazo dos incentivos financeiros provenientes do QREN, Capital de Risco ou 7º Programa-Quadro (em 2012 e 2013), sobre os indicadores de inovação, devido aos ciclos de desenvolvimento dos projetos - ou seja, desde o momento em que um projeto é financiado até ser desenvolvido ou introduzido no mercado um novo produto, processo ou serviço (ou registadas patentes), pode demorar alguns anos.  

 

Em resumo, embora a inversão da tendência de divergência de Portugal face à UE27 seja muito difícil num prazo imediato (ou seja, já no próximo ano), a melhoria da capacidade de inovação em Portugal pode ser alvo de recuperação no período 2015-2020, sendo para tal essencial uma nova Agenda de Inovação, mais aberta e inclusiva. 

Até lá, e como sugestões a curto-prazo, lembro a necessidade de haver do lado das políticas públicas um claro sinal de que a inovação e a ciência constituem prioridades para o (agora consensual) crescimento económico; um Acordo de Parceria (próximo QREN) disponível ainda este ano para as empresas, orientado para o apoio aos projetos intensivos em conhecimento e inovação, e que privilegie os projetos conjuntos/mobilizadores e orientados para os mercados globais; uma aposta forte na política de clusters como instrumento de estímulo à inovação, criação de maior valor acrescentado e inserção nas redes de conhecimento e de valor internacionais; um claro esforço das empresas e entidades do sistema científico e tecnológico em se candidatarem conjuntamente aos concursos (já abertos) do Horizon 2020, dado estarem disponíveis mais de 70 mil milhões de euros nos próximos 7 anos para projetos de I&D e de Inovação. E, claro, uma melhoria na governance das próprias Políticas de Inovação...